ARTE-PERMANENTE, A ARTE-QUE-HÁ

 

Arte Permanente é um estádio da arte que se desenvolve a partir do final do séc. XX, depois do aparecimento

das tecnologias de criação de imagens e objetos digitais, 2D e 3D. Pertence a uma época pós-espetacular,

resultante da assunção dos novos média e do seu uso pelos artistas em conjugação com outras proficiências;

pensamento e fabricação, depois de um longo período artístico baseado na captura e gestão, como fundação

do artefacto estético.

A Arte-Permanente confronta naturalmente a arte contemporânea nos seus alicerces, são dez as premissas

fundamentais:

 

 

 

1- Não há ready-made, não há apropriação: há criação;

2- Não há belo domesticado: há original e existência singular;

3- Não há ideologia-espetáculo: há substância, conteúdo e autenticidade;

4- Não há gestão mediática, arte relacional: há produção e apresentação permanente;

5- Não há arte administrada: há inteligibilidade;

6- Não há legitimação pela comunicação e pelo território: há a arte num lugar qualquer;

7- Não há estilo, não há assinatura plástica: há pensamento e poética;

8- Não há um modus operandi: há ação individual e multiplicidades;

9- Não há arte-moeda: há justa razão da obra enquanto tal;

10- Não há culturas dominantes: há valor idêntico; a obra é individual e contextual.

 

 

 

 

Lisboa, Natal de 2013.

Jorge Castanho, Investigador de Arte.

 

 

Declara-me um sonho

Foi um  dos primeiros simulacros da era moderna: algures no mediterrâneo, uma tempestade afundou a nau e o rinoceronte acabou por se afogar.  Quando teve conhecimento da tragédia, D. Manuel ordenou que o animal fosse embalsamado e seguisse para Roma. O rinoceronte ficou célebre, não pelo simulacro enquanto animal-empalhado, mas pela xilogravura de Albrecht Dürer, datada de 1515.
Pelo interesse que despertara o assunto para outra investigação, Jorge Castanho terá encontrado por acaso, num alfarrabista de Veneza, um documento da época, escrito por um mercador português,  que relata este acontecimento, fazendo a crítica à decisão do Rei levar ao papa o animal empalhado, ligando-a à decadência que sofreria o bom nome de sua alteza e o mau exemplo que seria para os seus súbditos, se tal engano se confirmasse. Este documento serviu de referência para a exposição que agora apresentamos.
Uma fila de rinocerontes pendurados pelos chifres abre a exposição. São peças singulares, realizadas em computador e impressas numa impressora comum. Estes cascos de papel foram modelados, montados, texturados e deixados de modo informal, num trabalho de conjugação de técnicas digitais e analógicas.
A peça Anónimos representa rostos que Jorge Castanho encontrou na cidade, pessoas que lhe deram o seu contributo plástico no ocasional encontro, alguns manifestam sorrisos “amarelos”, de cidadãos anónimos, como os costuma designar a comunicação social quando se refere a indivíduos não-mediáticos. Realizados em barro branco, em pequena escala, foram modelados um a um, em ocasiões distintas, depois de uma observação e pelo recurso a uma memória.
Jorge Castanho não se serve deste coletivo como corpo manipulado, mas sim como observador de expressões de companheiros de ocasião.
Bolsa de valores é uma obra constituída por cabeças em cerâmica, suspensas pelo pescoço, uma espécie de gráfico tridimensional. Transmitirão o mal-estar, a artificialidade, a vulgaridade e a rotina desta contemporaneidade?
Declara-me um sonho, são peças que mostram um jogo de humanoides, feitas em massas experimentais. A superfície deixa transparecer a estrutura que surge pelas fendas e a oxidação do metal transmite à pele as manchas do tempo.
Um acéfalo que sorri, Blemias, é uma figura recorrente do fantástico que Jorge Castanho tem vindo a modelar em aplicações 3D. Sorri, acompanhado do personagem Três- línguas, uma espécie de saco de cabeças sorridentes sobre umas pernas. O rosto que é a identidade, por ausência de cabeça (cabeça no peito) ou pela presença de múltiplos rostos, é também o enigma. As peças foram modeladas em barro e biscoitadas. Como peças artesanais ostentam marcas de construção e rachas de secagem.  
A arte digital também está presente é constituída por criaturas em gráficos 3D que surgem em rotação; uma espécie de desfile à espera do início das respetivas histórias.
Como que rompendo o silêncio sobre o atual momento artístico, Jorge Castanho apresenta uma peça-texto designada Arte-Permanente, a arte-que-há, e anuncia dez leis sobre o estado da arte.
Não receia o confronto com os parâmetros em que assentam as declaradas verdades da designada arte contemporânea: proclama a igualdade efetiva de culturas: não considera que uma sociedade dominante e colonizadora favoreça a poética; atribui determinação ao singular na obra, como respiração dos sentidos; retira apreço ao espetacular enquanto ideologia; repõe o protagonismo na responsabilidade do artista, desvinculando-o da impulsão por terceiros; relativiza os espaços de sacralização de arte e de autores; retira a importância aos meios que convertem a obra em objeto-moeda; aprecia o conhecimento e o saber como ferramenta do artista e desvincula o valor da obra de arte da sua exposição mediática.
Jorge Castanho envolve assim este projeto em dez premissas que nos desvinculam de um atasco artístico e nos encaminham para outro paradigma, a Arte-Permanente, a arte-que-há:
Há criação; há original e existência singular; há substância, conteúdo e autenticidade; há produção e apresentação permanente; há inteligibilidade; há a arte num lugar qualquer; há pensamento e poética; há ação individual e multiplicidades; há justa razão da obra enquanto tal; há valor idêntico; a obra é individual e contextual.

Alessandro Peres Ragazzo,

Janeiro de 2014